Publicado por Fernando Blanco
Como toda regra tem sua exceção, Laurent Fignon era considerado “parisiense” só porque nasceu em Paris. No entanto, ele viveu em Tournan-en-Brie (que, apesar de perto de Paris, tem hoje pouco mais de 8 mil habitantes) dos 3 aos 18 anos, período em que construiu a base da sua brilhante carreira ciclística.
No Brasil é igual. É difícil achar grandes (e nem tão grandes) ciclistas nascidos e criados em São Paulo, Brasília, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Curitiba ou Porto Alegre. E olha que no Brasil o poder econômico e as provas ciclísticas sempre foram altamente concentradas nas grandes capitais. Os motivos são vários, mas simples de se entender:
- O transito das grandes cidades não incentiva a prática do ciclismo – falta lugar para treinar, enquanto que no interior as estradas tranquilas estão nas portas das casas
- Nas grandes cidades há muitas e grandes distrações para qualquer jovem, aumentando a “concorrência” para a prática de um esporte tão duro
- A vida dura do campom, em especial para quem vive da agricultura, mais a falta de opções de entretenimento, é um incentivo para os jovens procurarem outras ocupações, sendo o ciclismo uma delas
- As capitais têm renda mais elevada – na média – e gente com grana, em geral, não se aproxima de um esporte tão duro e popular. E no caso do Brasil o ciclismo nem sequer confere prestígio aos campeões
Em suma, o ciclismo é um esporte de gente simples e que tem sotaque caipira. Aqui e no mundo. Hoje e sempre. Será mesmo?
Migrações internas – mesmo após tornar-se um grande campeão, Miguel Indurain continuou vivendo na sonolenta Villava, que tem 10 mil habitantes (hoje!) e fica na tranqüila Navarra. Ele não se mudou para Madrid após ser contratado pela Reynolds (que depois virou Banesto).
Na Europa é assim. O sujeito continua morando onde sempre morou. Dia de corrida? Pega um trem ou avião, ou vai de carro. Treino? Treina com seus amigos de sempre: o Indurain pentacampeão do Tour, vestido com o seu épico uniforme Banesto, treinou com seus amigos de clubes locais durante todos estes anos. Umas poucas vezes por ano a equipe se junta para os famosos training camps, além dos encontros poucos dias antes das grandes provas. Fora isso, cada um na sua casa.
Aqui não era assim. Nos anos 70 e 80, quando Caloi e Pirelli contratavam todos os talentos do ciclismo brasileiro, estes jovens eram obrigados a vir morar em São Paulo (Caloi) e Santo André (Pirelli), longe da família e amigos, em alojamentos sem o conforto ideal. A lógica era:“para a equipe funcionar tem que morar junto e treinar junto todo dia”.
Origens - o ciclismo é um esporte majoritariamente europeu (desde sempre). Nada mais natural que ele tenha se popularizado através de imigrantes e seus filhos e netos. Por exemplo, até os anos 70 havia a famosa Corrida dos Imigrantes em São Paulo, quando Venturelli tirava o uniforme da Pirelli e Ronchini do Rio Branco de Americana, para vestirem o uniforme da Itália.
Foto histórica da "Seleção Italiana" de ciclismo: Moser e Saronni não puderam correr neste dia...mas Faez, Cavalcanti, Ronchini vieram...
Hoje em dia, o jovem ciclista brasileiro é bisneto ou tataraneto de um europeu e, portanto, não guarda grandes laços com tais raízes. Desta forma a cultura do ciclismo europeu não mais passa para os jovens. Em outras palavras, hoje em dia, quem gosta de ciclismo é porque viu uma corrida aqui ou alí e não porque ouviu estórias do avô…como eu! Neto de espanhol, que foi ciclista em Santos e dono da primeira Bianchi da Baixada Santista, em 1932. Isto explica um bocado de coisas, não?
Consequência destas origens era o fato de que o pelotão brasileiro, até os anos 80, era majoritariamente de…caucasianos (gente de pele branca). Mulatos e negros eram tão poucos, que recebiam apelidos do genêro:
- Joaracy Mariano de Barros – grande ciclista do Guarany de Campinas, vencedor do Ranking Paulista de 1977, Seleção Brasileira, etc. Era chamado de “Baianinho”, porque era mulato
- José Salvador de Abreu – outro grande, da Pirelli, já nos 80. Igualmente mulato, era chamado de “Baiano”
- Sergio de Carvalho Jr (meu grande amigo na época e parceiro de Jabaquara A.C.) – negro, era chamado de “Negão”
Notem que naqueles anos não existia esta questão do “políticamente correto”. Havia racismo em todos os campos da vida social, mas isto é outra história. Estes três ciclistas eram muitíssimo respeitados e, com graus diferentes, queridos (o Sergio principalmente).
Hoje em dia o nosso pelotão é, racialmente falando, muito mais próximo do perfil da população brasileira. Não existe qualquer pesquisa ou estatística a este respeito, mas a diferença é tão gritante – para quem viveu aqueles dias e ainda está na ativa -, que posso afirmar sem medo de errar ou exagerar.
Em tempo, eu tenho uma visão muito positiva desta mudança. Olhando agora, com o passar dos anos, o ciclismo era um esporte mais elitista e vivia num mundinho todo próprio. Hoje não, pois está presente em todos cantos do país e das cidades, incluindo suas zonas mais humildes. Exemplo disso é o que acontece aqui em São Paulo, na Zona Sul, área que revela muitos ciclistas, apesar de ser economicamente mais frágil.
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