adaptado por Paulo Octavio Tassinari Caixeta
Se o ciclismo fosse só sofrimento, seríamos todos apenas um
bando de masoquistas. Mas a verdade é que, mesmo num esforço
gigantesco, tudo se torna extremamente prazeroso e claro. Alguns chamam isso de La volupté (voluptuosidade em francês) e pode
ser descrito como a sensação de integração entre o ciclista, a bicicleta, a música que o ciclista ouve, o ato
de pedalar e o ambiente, o que resulta numa sensação prazerosa difícil de descrever.
Sobre a bicicleta, totalmente concentrada no
presente momento, com a respiração ritmada e o corpo físico trabalhando
intensamente, a mente pode simplesmente parar de funcionar no turbilhão em que
normalmente funciona e aquietar-se, abrindo espaço para o desabrochar de algo
mais profundo. Quando chegamos nesse estado, tudo é feito da melhor maneira
possível, com a intuição mais aguçada.
Talvez o maior mal moderno seja a falta de autoconhecimento.
Poucos vão fundo na exploração do que têm em seu interior. Mal conhecemos
nossos corpos, nos confundimos com nossas emoções e pensamentos e achamos que
somos nossos cargos, nossas carreiras, nossas famílias e nossos papéis na
sociedade. Vivemos com a cabeça para lá e para cá, sem vivenciar o aqui e o
agora. E vamos atravessando a vida sem observar melhor
o que está oculto.
Quem já tem uns anos de pedal e já já consegue "sofrer feliz" na bicicleta sabe o que estou falando. Há apenas você, a bicicleta e a
estrada, e essa liberdade proporciona um profundo relaxamento mental. Você entende melhor o seu corpo e as emoções e
pensamentos que surgem. E chega ao final de um pedal transformado.

Criará laços inquebráveis com seus companheiros de sofrimento e alegria. Acordará em horários absurdos para pedalar e poder chegar a tempo ao trabalho, mas depois terá o sono dos justos. Perceberá seu corpo se transformando, ficando mais forte e leve. Talvez desenvolva uma obsessão por ficar mais leve, para não ter que carregar peso montanha acima. Entenderá na pele que o vento pode ser meu melhor amigo ou pior inimigo. Discutirá estratégias de corrida como se fosse autoridade no assunto. E contará quilômetros e quilômetros em que você realmente viu o mundo à sua volta. A experiência vivida justifica esse texto. É exatamente isso que eu sinto ao pedalar. E é isso que muitos deveriam entender ao se perguntarem por que gastamos horas e horas montados em uma bicicleta. Experimente esse esporte.
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